Faz tempo que aqui não venho. Não me perguntem porquê, pois nem eu sei bem...
Estou de passagem como um comboio numa passagem de nível: sempre de velocidade moderada, o mesmo trajecto, o peso do costume, os ruídos habituais, o destino de sempre...
Ser-se comboio é estar punido ao castigo de duas linhas rectas. Embora paralelas e unidas por umas traves escareadas, pouca companhia se fazem. Bem aprumadas, robustas e disciplinadas as linhas de aço sempre separadas nunca da sua equidade se entendem. Ser-se uma linha esquerda ou catalogar-se as duas pelo mesmo outro extremo resulta numa pândega discórdia e ainda que indigesta vida massacrada quando a razão de tal barulho não passa de um paradoxo mal-humorado. Mas, numa racionalidade lógica, se ambas pactuam convictamente as suas extremidades, então ser-se a linha esquerda não é de todo ser-se a direita. Se uma linha de aço esquerda se afirma pela direcção do comboio, então a outra reivindica a mesma posição por este circular em sentido oposto. Este parecer descabido tem o seu relevamento de importância maior: ser-se e saber quem se é - ao contrário do habitual fundamento de ser-se para um fim. As linhas de aço reconhecem a sua identidade e função. No entanto, a frustração de não se entenderem resulta num malograr maior: o não reconhecimento próprio, falta de entidade. Se o próprio não se reconhece como entidade, este não se pode ser. No entanto, existe. É-se sem individualidade. Ser-se sem individualidade não é o mesmo que ser-se de importância intensiva, apreço, uma entidade.
Temo que, num momento de desenfreada discussão uma das linhas de aço levante um pouco mais os cravos e o comboio, sempre de velocidade moderada, o peso do costume, os ruídos deixam de ser habituais, o trajecto é interrompido, o destino é outro...