quarta-feira, julho 15, 2009

:: A "FUGA" de Nunes


FUGA
(poema de Nunes)


Óh! Abelha que volteias no meu mel

A ti definitivamente te prometo

Aonde quer que fiques ou vás,
eu quero-me loooonge.

quinta-feira, julho 09, 2009

:: O que esmorece padece de morte



:: O que esmorece padece de morte
poema de Nunalves da Silva

Todas as coisas parecem esmorecer.
Ainda que muita a vigência
a seu tempo
padece e morre.

Esmorece o cuidado das minhas plantas
padecem no aquário peixes inocentes.
Morre a minha vontade.

Esmorece o equilibrio das portas
as paredes húmidas padecem frias.
Morre o meu contributo.

Livros que esmorecem na prateleira
padecem intocáveis as revistas semanais.
Morre o meu afinco.

A compostura esmorece embriagada
as limpezas padecem felizes.
Morre o meu aprumo.

Parentes esmorecem ao longe
Caídos padecem os ombros.
Morre a estima.

Esmorece a pincelada
Padece a minha crença.
Morre o interesse.

Esmorece o interesse
padece o equilíbrio.
Morre a sensatez.

Esmorece coração.
Padece corpo.
Morri.
Só.

quarta-feira, julho 01, 2009

:: Não posso adiar o amor


Não posso adiar o amor
poema de António Ramos Rosa

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.

domingo, junho 21, 2009

:: Ser-se comboio, ser-se linha de aço...

Faz tempo que aqui não venho. Não me perguntem porquê, pois nem eu sei bem...

Estou de passagem como um comboio numa passagem de nível: sempre de velocidade moderada, o mesmo trajecto, o peso do costume, os ruídos habituais, o destino de sempre...

Ser-se comboio é estar punido ao castigo de duas linhas rectas. Embora paralelas e unidas por umas traves escareadas, pouca companhia se fazem. Bem aprumadas, robustas e disciplinadas as linhas de aço sempre separadas nunca da sua equidade se entendem. Ser-se uma linha esquerda ou catalogar-se as duas pelo mesmo outro extremo resulta numa pândega discórdia e ainda que indigesta vida massacrada quando a razão de tal barulho não passa de um paradoxo mal-humorado. Mas, numa racionalidade lógica, se ambas pactuam convictamente as suas extremidades, então ser-se a linha esquerda não é de todo ser-se a direita. Se uma linha de aço esquerda se afirma pela direcção do comboio, então a outra reivindica a mesma posição por este circular em sentido oposto. Este parecer descabido tem o seu relevamento de importância maior: ser-se e saber quem se é - ao contrário do habitual fundamento de ser-se para um fim. As linhas de aço reconhecem a sua identidade e função. No entanto, a frustração de não se entenderem resulta num malograr maior: o não reconhecimento próprio, falta de entidade. Se o próprio não se reconhece como entidade, este não se pode ser. No entanto, existe. É-se sem individualidade. Ser-se sem individualidade não é o mesmo que ser-se de importância intensiva, apreço, uma entidade.

Temo que, num momento de desenfreada discussão uma das linhas de aço levante um pouco mais os cravos e o comboio, sempre de velocidade moderada, o peso do costume, os ruídos deixam de ser habituais, o trajecto é interrompido, o destino é outro...